Muito além do Big Bang

Novas descobertas indicam que o nosso universo não é o único e que ele caminha para a extinção.
Ninguém definiu com maior acerto as tentativas dos cientistas de entender o Cosmo do que o escritor húngaro, naturalizado inglês, Arthur Koestler (1905-1983). Poucos sabem sequer que ele escreveu sobre esse assunto, sendo mais conhecido por um romance político genial – O Zero e o Infinito (Darkness at Noon, ou Escuridão ao Meio-Dia, no original inglês). Mas Koestler também produziu, em 1959, uma fascinante história das idéias do homem sobre o Universo, cujo título – Os Sonâmbulos (The Sleepwalkers, em inglês) – sublinha admiravelmente os passos incertos que os astrônomos dão no labirinto das estrelas na esperança de decifrar o Cosmo. (O mais impressionante é que eles sempre conseguem encontrar respostas para suas indagações.)
E que respostas ! A imagem que emerge atualmente do Cosmo espanta até os mais ousados teóricos, como o físico americano Michio Kaku, do City College de Nova York. “Estamos diante de uma nova e extraordinária visão do Universo”, diz Kaku, que também é um hábil divulgador da ciência, considerado um herdeiro à altura do astrônomo americano Carl Sagan, morto em 1996.
Para começo de conversa, as observações e teorias mais recentes indicam que o Cosmo que vemos não é o único que existe. Isso mesmo: além da última galáxia e dos limites do espaço e do tempo, escondem-se outros, infinitos universos, que obedeceriam a leis diferentes das nossas e, quem sabe, conteriam seres e inteligências muito além da nossa compreensão. Inacessíveis até aos mais potentes telescópios, esses universos paralelos não estariam apenas separados por formas de matéria e de energia ainda desconhecidas – acredita-se que, tanto eles quanto o nosso próprio Universo, teriam nascido e crescido simplesmente do nada. “Ou seja, daquilo que os budistas e hinduístas chamam de nirvana”, afirma Kaku.
Para enfatizar as mudanças revolucionárias em curso na cosmologia, Kaku recupera uma frase perturbadora do biólogo inglês John Haldane (1892-1964), segundo a qual “o Universo não é apenas mais estranho do que supomos; ele é mais estranho do que somos capazes de supor”.
Mas a metáfora de Koestler continua em vigor. Ainda hoje, mesmo com a tecnologia e a matemática refinadas que dominam, é como sonâmbulos que os cosmologistas perseguem as novidades estonteantes do espaço. Tem sido assim desde que o físico alemão Albert Einstein deu início ao estudo científico do Universo com sua teoria da relatividade geral, escrita em 1915. Com ela, Einstein pôde deduzir, pela primeira vez, em 1917, as leis que governam o movimento das galáxias, que são as peças do tabuleiro cósmico. Embora as galáxias contenham mais de 100 bilhões de estrelas cada uma, do ponto de vista da relatividade não passam de partículas microscópicas. São os átomos do Cosmo.
Mas, se o trabalho de Einstein foi uma conquista espetacular, nem por isso deixava de ser um salto no escuro, um passo a esmo na compreensão do Universo. É que ele adotou um pressuposto incerto, como num “chute”, ou “um ato de fé”, como diz o físico, historiador da ciência e escritor americano Alan Lightman, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Um ponto especialmente frágil era que o Universo, de acordo com as equações einsteinianas, estaria condenado a desmoronar sob a ação da sua própria força gravitacional. A situação era simples: como a gravidade é uma força de atração, acabaria puxando todos os corpos celestes para cima uns dos outros e, daí para a frente, os esmagaria até reduzi-los a um ponto infinitesimal e concentradíssimo de energia. (Lembre-se: quanto menor o volume, maior a energia.)
Einstein, naturalmente, percebeu o problema. O que ele não viu foi que a relatividade admitia duas saídas para o desastre gravitacional. Como ficaria claro mais tarde, o efeito aglutinador da gravidade poderia ser compensado se as galáxias, em vez de estarem imóveis como ele imaginara, estivessem em movimento. Assim, poderiam estar se afastando umas das outras, o que contrabalançaria a atração gravitacional. Dito de outra maneira, o Universo estaria em expansão.
Mas não foi essa a solução que Einstein adotou. Em parte, dizem os especialistas, por que ele acreditava que o Cosmo fosse eterno, sem começo nem fim, e que tudo dentro dele estaria imóvel. “Mesmo naquela época, não havia razão para pensar assim”, afirma Lightman. “Einstein pode ter sido motivado pela tradição aristotélica, na qual o Universo era considerado estático”, diz Lightman. De uma maneira ou de outra, foi com essa noção em mente que Einstein decidiu postular a existência de uma força capaz de manter o Cosmo quieto, agindo em sentido oposto à gravidade. Ou seja, o gênio deu uma de mágico: tirou do bolso do colete uma espécie de antigravidade com o único objetivo de remendar suas equações.
O castigo veio depressa. Nos anos 20, o Observatório de Monte Palomar foi inaugurado nos Estados Unidos, e com ele, em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble (1889-1953) foi finalmente capaz de enxergar que as galáxias, afinal, não estavam paradas. Não era preciso uma antigravidade para evitar o seu desabamento. Einstein imediatamente se desculpou, afirmando que sua força fictícia tinha sido o maior erro da sua vida. Por coincidência, ele estava em visita aos Estados Unidos, na época, tornando-se um dos primeiros cientistas do mundo a saber da proeza de Hubble.
A descoberta da expansão cósmica teve o efeito de um choque porque descortinou, de um só golpe, toda uma história secreta do Universo. Ficou claro que ele estava em permanente transformação e, certamente, havia tido um começo. E seu nascimento, como logo concluíram os cientistas, tinha sido violento, como uma espécie de grande explosão, ou Big Bang, em inglês. O motivo, quase óbvio, era que se os telescópios agora mostravam as galáxias se afastando, elas deviam estar grudadas umas nas outras no passado. Recuando ainda mais no tempo – até 13 bilhões de anos, como hoje se sabe –, o Cosmo devia ser menor que um átomo e tão denso que não havia lugar para estrelas. Toda a matéria se resumia a uma maçaroca de fragmentos atômicos submetidos a uma pressão brutal devido à falta de espaço. Conseqüentemente, sua temperatura chegaria a centenas de milhões de graus. Daí a comparar o início da expansão cósmica com um Big Bang foi um passo.
Mas a idéia parecia bizarra, tanto que a expressão Big Bang, cunhada pelo astrofísico inglês Arthur Eddington (1882-1944), tinha originalmente um tom depreciativo. Visava ridicularizar o raciocínio de que as galáxias e tudo o que elas contêm – a humanidade inclusive – estiveram um dia confinadas numa esfera um trilhão de vezes menor que 1 centímetro. Apesar disso, o nome pegou. Até porque, em poucos anos, todos os cálculos e observações feitas comprovaram a realidade da expansão cósmica.
A prova de maior impacto surgiu da idéia de que o brilho do Big Bang, calculado na ponta do lápis, ainda deveria estar cintilando por aí na forma de um chuvisco rarefeito de ondas de rádio ou de tevê. Depois de ter se espalhado por um volume cada vez mais largo, durante a expansão, ele havia perdido a potência original, deixando de ser uma radiação cegante para se transformar no equivalente a uma transmissão de FM ou de televisão (de fato, desde que se tenha uma antena bem grande, é possível “ouvir” o brilho cósmico até sem sair de casa). É claro que, se essa luminescência fóssil pudesse ser captada, demonstraria que o Big Bang existira de fato.
Foi o que fizeram, totalmente sem querer, em 1965, dois técnicos dos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, Arno Penzias e Robert Wilson. Eles captaram um chiado estranho ao tentar calibrar uma antena nova, montada para pegar os sinais de um dos primeiros satélites de telecomunicações a entrar em órbita, o Telstar. Depois de analisar o ruído captado pela dupla, o teórico Robert Dicke, da Universidade Princeton, confirmou que ele vinha mesmo do Big Bang. Penzias e Wilson passaram diretamente do anonimato absoluto para os livros de história, recebendo o Prêmio Nobel em 1978.
Morto em 1955, Einstein não chegou a ver a prova mais forte de que sua teoria, a despeito de todos os percalços, estava essencialmente correta. Ou seja, Einstein não era genial só no raciocínio. Era-o também na intuição. Mas o melhor ainda estava por vir: por incrível que pareça, a antigravidade que inventara também não havia saído definitivamente de cena. Num retorno espetacular, ela reapareceu como um fantasma diante dos olhos dos astrônomos, no início de 1998. Nesse ano, duas equipes internacionais trabalhando com o telescópio de 4 metros de diâmetro do Observatório de Cerro Tololo, no Chile, anunciaram que havia mesmo uma força desconhecida acelerando a expansão das galáxias além do normal.
“Nossa primeira reação foi pensar que havia algum erro”, diz um dos responsáveis pelo achado, o astrônomo Mark Phillips, das Instituições Carnegie, nos Estados Unidos. “Mas era verdade: o Universo não está apenas em expansão, mas vem crescendo com velocidade cada vez maior.” A descoberta, de lá para cá, tem sido reiteradamente comprovada. O teste mais recente foi anunciado em abril pelos cientistas do Telescópio Espacial Hubble que observaram galáxias situadas nos extremos do Cosmo, a 11 bilhões de anos-luz da Terra (1 ano-luz mede 9,5 trilhões de quilômetros).
Uma conseqüência disso é que os pesquisadores, agora, sabem como vai acabar o Universo: ele vai crescer infinitamente, até se transformar numa insólita poeira de partículas atômicas, gelada, escura e mais rarefeita que o vácuo. É o apagão total – aquilo que vai restar quando não houver mais luz nas estrelas e até os buracos negros, os corpos mais densos e duros que existem, tiverem evaporado por completo. Os cientistas dão a esse processo o nome de “morte térmica”, causada pela tendência que têm o calor e todas as outras formas de energia de se espalhar democraticamente por todas as partes. No fim – não havendo mais centros de energia, como as estrelas –, nada mais se moverá dentro do Cosmo. Só ele mesmo, persistirá num crescimento sem fim e cada vez mais alucinante. Essa conclusão descartou de vez a possibilidade de que o Universo pudesse se expandir até certo ponto e depois começar a encolher, gradualmente.
Nem todos os cientistas se sentem confortáveis com a misteriosa corrida das galáxias, que, ainda agora, dá a sensação de ser uma espécie de apêndice, que tira a beleza original da teoria do Big Bang. Esse tipo de incômodo aparece no livro The Accelerating Universe (O Universo Acelerado), lançado no ano passado nos Estados Unidos pelo chefe de pesquisas do Telescópio Espacial Hubble, Mario Livio. O autor não é só um cientista de respeito, mas também um diletante estudioso da arte, capaz de discorrer eruditamente sobre os sonetos de William Shakespeare e esboçar uma definição de beleza que englobe tanto a estética artística quanto a científica.
Para Livio, um adepto da elegância na ciência, as melhores teorias são as mais simples e enxutas, capazes de explicar uma grande quantidade de fatos a partir de um número reduzido de postulados. É o caso da teoria da relatividade, que descortinou o mundo fantástico do Big Bang, dos buracos negros e da aceleração cósmica, apesar de repousar sobre apenas duas idéias-mães, fundadas mais na imaginação do que na observação empírica: a de que a velocidade da luz não pode ser superada e a de que as leis da física mantêm a sua validade em qualquer circunstância.
Mesmo Livio, no entanto, admite que os avanços científicos, de vez em quando, têm que se contentar com soluções menos elegantes do que se gostaria. “O importante é que todas as novidades recentes compõem um quadro coerente do Universo”, afirma ele. Com toda a razão – especialmente quando se leva em conta que a aceleração cósmica tende a fortalecer outra descoberta importante: a de que a geometria do Universo, em larga escala, deve ser plana, e não curva, como se chegou a imaginar até há pouco tempo.
Não é tão complicado como parece: “curvatura”, na linguagem da relatividade, é sinônimo de atração gravitacional. Assim, se o Sol exerce força sobre a Terra, diz-se que o espaço à volta dele é curvo. Tudo se passa como se o peso do Sol “afundasse” o vácuo à sua volta, fazendo a Terra rolar para dentro do “buraco”. Portanto, quando falam em medir a curvatura do Cosmo, o que os cientistas querem mesmo saber é se haveria algum ponto do espaço mais fundo ou mais raso que os outros. Isto é, onde a gravidade seria mais forte ou mais fraca que a média.
A resposta, segundo a tese mais recente, é não – não há lugar assim. Até onde se pode ver, o Universo se apresenta como uma vasta e monótona planície. Mas a maneira como se chegou a essa certeza não podia ter sido mais tortuosa. Acontece que os cientistas já estavam parcialmente convencidos da planura cósmica desde 1980, graças a uma hipótese levantada naquele ano pelo matemático e físico americano Alan Guth. Segundo ele, o Cosmo, nos primeiros bilionésimos de segundo de existência, havia passado por um período de expansão acelerada, anterior à que se vê agora. A diferença é que a maratona imaginada por Guth, chamada de inflação cósmica, durou muito pouco e foi muito mais violenta que a atual. Num átimo, ela tornou o Universo trilhões de vezes maior do que era até então. Resultado: o espaço se esticou imensamente e eliminou qualquer curvatura que pudesse ter no momento do Big Bang.
Demorou 20 anos para surgir uma prova experimental dessa idéia, que acabou aparecendo apenas no início de 2000. As evidências foram recolhidas pelo projeto Boomerang, reunindo pesquisadores de vários países. O grupo obteve imagens do brilho do Big Bang com uma nitidez sem precedentes e, a partir delas, viu exatamente como era a cara do Universo logo depois do nascimento. E as imagens mostraram que o espaço era realmente plano.
“Agora, a aceleração das galáxias veio fortalecer essa convicção”, afirma o astrofísico Adam Riess, da equipe científica do Telescópio Hubble, que opera em órbita, 300 quilômetros acima da superfície terrestre. O problema, de acordo com ele, é que a soma de todas as galáxias existentes não produziria gravidade suficiente para alisar o espaço; em vez disso, a massa de tudo o que se vê daria ao Cosmo a forma de uma corcova de camelo. “Só temos atualmente 30% da matéria necessária para torná-lo plano”, estima Riess. “Mas, como energia também gera gravidade, os 70% restantes podem estar vindo justamente da energia que está acelerando as galáxias e achatando o Cosmo. É o que os nossos dados estão revelando”, afirma ele.
Com as muitas facetas do Big Bang se encaixando tão bem, os teóricos se sentem animados a dar um novo salto no desconhecido e tentar entender o que estava acontecendo antes mesmo de o Universo nascer. Isso poderia ser feito, segundo Michio Kaku, se a relatividade fosse acoplada à outra grande idéia teórica do século XX, a mecânica quântica. “Esse casamento unificaria não apenas os conhecimentos científicos como também duas das grandes mitologias do passado – a judaico-cristã e a budista-hinduísta.” A primeira, de acordo com o gênese, admite que o Cosmo teve um princípio bem definido, como no Big Bang. Mas a segunda, por advogar a existência do nirvana, um estado de vazio e quietude absolutos, postula que o Universo independe do tempo; ele nunca teve começo e jamais terá fim.
Como se percebe, são duas maneiras radicalmente opostas de ver o mundo, mas Kaku diz que ambas podem ser consideradas corretas dentro da fusão teórica proposta por ele e outros pesquisadores. De acordo com ela, antes do Big Bang não haveria nada – algo semelhante ao nirvana, destituído de matéria, energia, tempo ou espaço. Mas, como a mecânica quântica não admite situações imutáveis, o nirvana teórico de Kaku não seria tão quieto assim. “Ele lembraria uma fervura, onde universos inteiros brotam e desaparecem constantemente, como bolhas em expansão.”
Cada bolhinha dessas representa um Big Bang independente, diz o russo-americano Andrei Linde, da Universidade Stanford, outro proponente da fusão das teorias. “Se eu e meus colegas estivermos certos, logo diremos adeus à idéia de que houve apenas uma bola de fogo solitária.” Alguns dos universos nascidos na fervura do nada, como o nosso, cresceriam até o ponto de gerar galáxias, buracos negros ou planetas, até terminar os seus dias nas cinzas da morte térmica. Haveria também chabus cósmicos – bolhas que desapareceriam em frações de segundo – e é até possível que dois microcosmos em expansão colidissem, produzindo um terceiro universo, como propõe o teórico americano Paul Steinhardt, da Universidade Princeton. Seja como for, pondera Kaku, nosso objeto de estudo não é mais o nosso Universo, mas toda a família cósmica – o Multiverso, como ele diz. “E, no conjunto, essa multiplicidade de universos é realmente intemporal, como o próprio nirvana.”

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